05/09/2011

A moda feminina das calças compridas?

Revista: "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 257 - Ano 1981 - p. 271

Em síntese: Um estudo detido e objetivo de Dt 22, 5 mostra que o preceito de Moisés não tem em mira simplesmente o uso de calças compridas por parte de mulheres, mas, sim, os abusos que este tipo de traje ocasionava nos cultos pagãos; favorecia o deboche e outros vícios inspirados pela mentalidade de povos pré-cristãos. Por conseguinte, não se pode condenar a moda feminina das calças compridas em nome da Escritura Sagrada. Tal tipo de indumentária tornou-se algo de natural e geralmente aceito, sem chamar a atenção do público, a não ser que as próprias calças, por sua índole "colante", sejam feitas para provocar os instintos sexuais.



Comentário: O uso de calças compridas por pessoas do sexo feminino tem sido impugnado em nome de um texto do Deuteronômio, freqüentemente aduzido sem procura exata do respectivo significado. Eis por que passamos a examinar tal secção e o problema citado.

De 22,5: "A mulher não trajará vestes masculinas, e o homem não usará vestes femininas. Quem assim proceder, será abominável ao Senhor teu Deus".


1. Este texto há de ser entendido como qualquer outra passagem bíblica, dentro do respectivo contexto histórico. Sabe-se que a Bíblia oferece a Palavra de Deus "encarnada" dentro da linguagem e da cultura dos homens que Deus quis assumir como hagiógrafos.Ora, ao procurar reconstituir o quadro histórico e cultural do versículo acima, os comentadores unanimemente afirmam que:


1) o texto não tem em mira condenar o uso, como tal, de calças compridas por parte das mulheres, como se esse uso, por si mesmo, fosse provocação ao pecado;

2) nem tem em vista defender diretamente as diferenças naturais existentes entre o sexo masculino e o feminino, mas;


3) foi redigido em vista de certas práticas usuais nos cultos pagãos da Síria e de Canaã, práticas que davam ocasião a ações grosseiras e imorais.


Vejamos de mais perto este último tópico.
2. É notório o fato de que entre os gentios se praticava a prostituição sagrada. Chamava-se hierodula (servidora do santuário) a pessoa, às vezes de sexo masculino, mais frequentemente de sexo feminino, que se prestava à prostituição sagrada nos templos; tanto o homossexualismo quanto o heterossexualismo podiam então ser cultivados; em consequência, não era rara a figura do (a) travesti(e). - A prostituição sagrada existia nos santuários egípcios e mesopotâmicos de Isis e Istar; principalmente, porém, nos templos de Astarté em Canaã (= Palestina). Sob a influência dos cananeus (cf. Nm 25,1-18), o mal penetrou também no culto israelita. Compreende-se que, neste contexto histórico e geográfico, a Lei de Moisés proibisse tal abuso e excluísse das ofertas feitas no templo do Senhor o salário de uma prostituta, que era também chamado "salário de cão" (cf. Dt 23,17s).
Na época de Jeroboão (931-910) o abuso aumentou notavelmente (cf. 1Rs 14,24), mas Asá (911-870) e Josafá (870-848) expulsaram as hierodulas da terra de Israel (cf. 1Rs 15,12; 22,47). De novo as hierodulas apareceram em Israel sob Manassés (687-642) e Amon (642-640); todavia Josias (640-601) mandou demolir as suas habitações (cf. 2Rs 23,7).


Ainda a respeito do uso de vestes ou insígnias masculinas por parte de mulheres, note-se o seguinte:
Segundo Macróbio (séc. V d.C.), em Saturnalia 1. III, VIII, havia em Chipre uma estátua de Vênus, barbatum corpore, sed veste muliebri, cum sceptro ac statura virili (dotada de barba, de cetro e de estatura viril, mas vestida como masculina e feminina, e à qual ofereciam sacrifícios homens vestidos como mulheres e mulheres vestidas como homens. Ver também Servus (+ fim do séc. IV), In Aencidam II 632; Apuleio (+ 185 d.C.), Metamorphoses VIII 24 s.


Por conseguinte, não pode restar dúvida a respeito do caráter circunstancial e delimitado (geográfica e historicamente) da proibição de Dt 22,5.


3. Passando ao plano da Teologia Moral propriamente dita, pode-se ainda observar quanto segue:

Uma veste deverá ser tida como imoral se provocadora ou excitante de concupiscência: assim toda roupa que deixe descobertas ou faça transparecer ou ponha em evidência partes sexuais ou erógenas do corpo humano, torna-se, via de regra, excitante. Por isto deve ser banida como imodesta e imoral. Verifica-se, porém, que o uso de calças compridas hoje em dia por parte das mulheres não costuma excitar nem seduzir para o mal. Tornou-se algo de natural e geralmente aceito, sem chamar a atenção do público (a não ser que as próprias calças, por sua índole "colante", sejam feitas para provocar os instintos sexuais). Eis por que não se vê razão para condenar o uso de calças compridas por pessoas do sexo feminino em nossos dias, de mais a mais que tal traje é muitas vezes mais decente do que certos vestidos ou saias


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